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“Super” Súmula sobre Tributação Federal:
Segurança Jurídica X Enfraquecimento do CARF
Por Lígia Regini e Vivian Casanova
No contexto da Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, Lei n. 13.874 fez alterações na legislação tributária claramente voltadas a reduzir a litigiosidade entre Fisco e contribuintes, a autorizar a negociação sobre garantia de débitos e a uniformizar entendimentos da Administração Tributária Federal.
Além de ampliar a prerrogativa da Fazenda Nacional não recorrer ou desistir de processos, a lei criou um Comitê para editar súmulas da Administração Tributária Federal ("super" súmulas) de observância obrigatória em atos administrativos, normativos e decisórios praticados pelos órgãos membros do colegiado – Receita Federal do Brasil (RFB), da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF).
Pelo conceito, as "super" súmulas deverão garantir posições uniformes e vinculantes do Fisco Federal, interrompendo até autuações e cobranças sobre temas pacificados em sentido contrário. Do lado dos contribuintes, tais enunciados servirão para dar publicidade e clareza ao entendimento do Fisco sobre as regras tributárias.
Na prática, porém, há grande apreensão quanto a competência e composição do Comitê, dada a indefinição do Ministério da Fazenda. No início do mês de outubro, pouquíssimos dias depois da sua edição, a Portaria MF 531/19 foi revogada sob pesadas e pertinentes críticas da falta de representação dos contribuintes e potencial mitigação da competência do CARF (órgão paritário).
Segundo a questionada Portaria, o Comitê seria formado exclusivamente pelo Presidente do CARF, Secretário Especial da Receita Federal do Brasil e Procurador-Chefe da Fazenda Nacional, e teria competência para aprovar “super” súmula mediante (i) súmula ou resolução do CARF; e (ii) três decisões, pelo menos, firmadas por Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF), em reuniões distintas.
A primeira hipótese atingiria a finalidade de uniformidade da posição das autoridades fiscais federais, pró ou contra o Fisco, após o devido processo administrativo, pois a "super" súmula estaria fundada no entendimento anteriormente consolidado pelo Tribunal Administrativo de composição paritária.
Já a segunda hipótese abreviaria as discussões no CARF ao considerar suficiente 03 decisões por Turma da Câmara Superior do Conselho. Como se sabe, três decisões no mesmo sentido não caracterizam jurisprudência majoritária e muito menos pacífica, ainda mais num Tribunal que admite a definição das matérias por voto de qualidade (de desempate) do Presidente da Câmara (representante do Fisco).
Descabe editar "super" súmula antes do esgotamento da controvérsia no CARF e antes da pacificação do entendimento colegiado, sob pena de tolher o direito constitucional e fundamental ao regular processo administrativo.
A formação de súmula no CARF é bem mais rígida, requer um quórum mínimo de aprovação de 3/5 (três quintos) da totalidade dos conselheiros do colegiado. Ou seja, quórum rígido com a participação dos Conselheiros contribuintes. Esta competência do órgão paritário não pode ser mitigada, ainda que indiretamente, pelo Comitê da "super" súmula, inclusive para não gerar contrariedade entre os enunciados – mais incerteza.
"Super" súmulas não podem abreviar o devido processo administrativo, muito menos se aprovadas somente por representantes da Fazenda Nacional num Comitê sobreposto ao Tribunal Administrativo.
Ora, o processo administrativo provoca revisão da legalidade do lançamento, com ampla defesa do contribuinte, apresentação de provas e julgamentos técnicos, tudo para resolução do caso sem necessidade de judicialização – e onerosa garantia.
Por isso, o procedimento da "super" súmula tal como traçado pela rechaçada Portaria 531/19 teria um resultado certo: intensificação de litígio no Poder Judiciário.
A benvinda revogação da Portaria 531/19 renova a expectativa do manejo das "super" súmulas para as finalidades a que se propõe, i.e. quando necessário dar uniformidade à posição da Administração Federal após o esgotamento da matéria no paritário CARF. Deste modo, ganhará a Administração Federal na eficiência e legalidade da cobrança fiscal e ganharão os contribuintes na segurança e clareza quanto ao entendimento sobre os limites da tributação.