Confira artigos dos especialistas do BMA sobre o que muda em cada área do Direito navegando pelos botões e cadastre-se na página principal para baixar o infográfico com o resumo das alterações propostas pela lei.
Como a Lei da Liberdade Econômica afeta
as Relações de Trabalho?
Por Cibelle Linero e Luiz Marcelo Góis
Falar em liberdade econômica no Direito do Trabalho é sempre algo tortuoso. Afinal, esse ramo do direito foi concebido para frear a "opressão do capital sobre o trabalho". Aplicar princípios de liberdade econômica no Direito do Trabalho significa, conceitualmente, reduzir a barreira protetiva que se criou em favor do trabalhador.
Por isso, a primeira coisa que chama atenção na Lei da Liberdade Econômica é a previsão de que ela se aplica também na interpretação do Direito do Trabalho. Essa ideia parece fazer sentido nos dias atuais, onde os trabalhadores gozam de um duplo grau de proteção: a lei e sua interpretação, muitas vezes feita de forma expansiva pelo Poder Judiciário.
Esse espírito de liberdade econômica no âmbito trabalhista permeou o Projeto de Lei de conversão da MP 811/19. Seu texto aprovado pela Câmara dos Deputados previa novidades, como a facilitação do trabalho aos domingos e a não aplicação da CLT para empregados que recebessem mais de 30 salários mínimos.
Mas o Senado "desidratou" o Projeto de Lei e, ao final, a Lei no 13.874/19 foi aprovada com mudanças ainda tímidas na área trabalhista.
Dois temas centrais sofreram ajustes: carteira de trabalho e controle de ponto.
Com relação ao primeiro, foi criada a "carteira de trabalho digital", que passa a identificar o trabalhador por meio do seu número de CPF. A CTPS digital, inclusive, já se encontra em vigor, regulamentada pela Portaria no 1.065/19.
No que tange ao controle de ponto, duas alterações chamam atenção. A primeira – mais simples – prevê que só precisarão controlar ponto as empresas com mais de 20 empregados (antes esse controle precisava ser feito a partir do 11º empregado).
A segunda modificação foi a autorização para que empregador adote o controle de "ponto por exceção", mediante acordo individual com o trabalhador, ou ajuste coletivo. Nesse sistema, apenas são anotados os horários de entrada e saída que variarem da jornada regular. Trata-se de uma inovação relevante principalmente porque o TST vinha sendo reticente em aceitar essa forma de controle de ponto, mesmo quando negociada com o sindicato.
Dada a sua novidade, o controle de ponto por exceção deve despertar dúvidas, que precisarão ser enfrentadas antes da sua adoção: esse sistema é compatível com o de banco de horas? Variações de jornada inferiores a 5 minutos precisarão ser anotadas no controle de ponto? Comprovantes de ponto sem anotações serão considerados "britânicos" (e, por isso, inválidos) para efeito de provar a real jornada praticada pelo empregado?
Um último efeito trabalhista ainda pode ser extraído da Lei. É que ela altera o regime de desconsideração da personalidade jurídica da empresa, tornando-o mais técnico (conforme explicado em capítulo específico deste Informativo). Essa desconsideração é usualmente aplicada em processos trabalhistas quando o empregador não honra condenações.
As mudanças relativas a tal instituto podem vir a provocar a reabertura da discussão sobre o tema na Justiça do Trabalho e provavelmente aumentarão os argumentos de defesa dos sócios e administradores afetados com a penhora de bens pessoais decorrente da desconsideração. No entanto, a Lei não alterou o art. 28 do Código de Defesa do Consumidor, que é o fundamento mais comumente invocado pelos magistrados trabalhistas para autorizar a desconsideração. Por isso, é possível antecipar razoável dose de resistência da Justiça do Trabalho à aplicação das inovações trazidas neste particular.
Se é verdade que a Lei poderia ter sido mais arrojada no avanço da liberdade econômica sobre temas trabalhistas, é inegável que ela representa um marco inicial e que um passo foi dado nessa direção. Ela pode representar um norte que guiará o esforço de rever a legislação trabalhista, iniciado pelo Governo Federal no último mês de agosto por meio da criação de comissões de juristas com essa finalidade.