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Mais segurança para a indústria de fundos
de investimento no Brasil
Por Anna Carolina Malta e Jane Goldman
Existem mais de 18 mil fundos de investimento registrados no Brasil, com um patrimônio líquido de R$ 5 trilhões, representando 74% do PIB brasileiro (considerando o fechamento do PIB em 2018), conforme informativo da ANBIMA de junho deste ano. E, apesar do tamanho, importância e solidez da nossa indústria de fundos, até setembro de 2019 não tínhamos um regime legal específico para eles.
Assim, uma das mais importantes alterações legislativas trazidas pela Lei da Liberdade Econômica foi, sem dúvidas, a introdução de um novo capítulo no Código Civil Brasileiro para tratar dos fundos. A Lei os caracterizou como "condomínios de natureza especial", afastando eventual dúvida sobre a aplicabilidade dos dispositivos que tratam dos condomínios em geral, bem como tornando inequívoca a competência da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para discipliná-los.
Buscando endereçar um pleito antigo do mercado, a legislação agora contempla a possibilidade de o regulamento do fundo estabelecer a limitação da responsabilidade de cada investidor ao valor de suas cotas. Seria melhor que a responsabilidade limitada constasse como regra geral (e não uma exceção, aplicável apenas nos casos em que os regulamentos a prevejam), mas ter a possibilidade de limitar a responsabilidade já representa um grande avanço, pois, além de conferir muito mais segurança aos cotistas, alinha o grau de responsabilidade dos investidores de fundos locais com os da maioria dos fundos estrangeiros.
A Lei também ratificou que, mesmo não tendo personalidade jurídica, são os próprios fundos de investimento que respondem diretamente pelas obrigações legais e contratuais por eles assumidas, deixando claro que os prestadores de serviços – assim como os cotistas – não respondem por essas obrigações (por outro lado, enfatizando que os prestadores de serviços respondem pelos prejuízos que causarem quando procederem com dolo ou má-fé).
Como conseqüência da limitação de responsabilidade, o Código Civil agora estabelece que o fundo de investimento que não possuir patrimônio suficiente para responder por suas dívidas ficará sujeito ao regime de insolvência, que poderá ser requerida judicialmente por credores, por deliberação dos próprios cotistas ou pela CVM.
Outro aspecto que aproximou os fundos locais das estruturas offshore foi a autorização para a criação de classes de cotas com direitos e obrigações distintos, com a possibilidade de se constituir um patrimônio segregado para cada classe, que responda apenas pelas obrigações vinculadas à respectiva classe. Classes de cotas já eram admitidas, com alguma limitação, em fundos estruturados, mas a segregação de patrimônio entre as classes é certamente uma novidade interessante, que pode gerar um ambiente propício ao desenvolvimento de estruturas inovadoras.
Por fim, o regulamento também poderá limitar a responsabilidade dos prestadores de serviços do fundo ao cumprimento dos deveres particulares de cada um, sem solidariedade; sendo que a avaliação de responsabilidade dos prestadores de serviço deverá levar sempre em consideração os riscos inerentes às aplicações nos mercados de atuação do fundo de investimento e a natureza de obrigação de meio de seus serviços.
Como o novo art. 1.368-D do Código Civil sujeita todas essas alterações de regulamento ao que dispuser a regulamentação da CVM, a efetiva implementação das tão desejadas mudanças ainda depende de uma revisão do arcabouço regulatório vigente pela referida Autarquia.
Em caráter imediato, a boa notícia é que a Lei eliminou a necessidade de registro dos regulamentos dos fundos em RTD, determinando que o registro na CVM é suficiente para garantir sua publicidade e oponibilidade de efeitos em relação a terceiros. Esta alteração, que reduz custos e desburocratiza processos, já está em vigor, tendo sido refletida na regulamentação da CVM através da recente Instrução nº 615/2019.